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SALSICHAS, SALAMES E OUTRAS OBRAS DE ARTE


Entre lombinhos defumados, chouriços, paios e um monte de outras obras-primas da humana invenção, nossas deliciadas papilas gustativas nem sabem para onde se virar ...

Juram os alemães que foram eles que as inventaram; já os franceses arranjaram até um santo padroeiro para os que as fabricam. No café da manhã da rainha da Inglaterra elas não faltam. Para resumir, seja onde for que se encontrem, dê-se-lhes o nome que se lhes der (Wurst, insaccato, saucisse, salsicha), poucos itens culinários podem rivalizar com a sua devastadora capacidade de conquistar corações... e obviamente estômagos. Os alemães, doidos pelas suas Wurst, ingerem cerca de 5 bilhões de dólares delas anUalmente; os norte-americanos, mais de 18 bihões de hot-dogs anuais!
O segredo deste êxito é indubitave1mente a capacidade de esta invenção gastronômica ser o que quer que seja, dependendo da receita; Um «enchido» (como os chamam os portugueses) pode ser qualquer mistura infernal de carnes moídas ou picadas, vegetais, até sangue de porco, tudo condimentado a preceito e enfiado numa tripa,normalmente de porco ou carneiro. As dimensões podem oscilar entre os escassos 4cm das salsichas cocktail e as fantásticas mortadelas que têm duas vezes o tamanho de um homem. Podem vir sob a forma de um pé de porco elegantemente costurado ou de um chapéu de padre finamente pespontado.
Mas a quem, realmente, devemos agradecer esse petisco de fazer água na boca. Foram os sumérios os primeiros a utilizá-lo, há cerca de cinco. mil anos, sob a forma de uma mistura crua envolta em tripa de porco. Os romanos, instalando fábricas na Bretanha para alimentar os seus soldados, acabaram por espalhar o evangelho salsiçheiio pelos mais remotos confins do império. Foram, porém, os alemães quem fez elevar a sua Wurst à categoria de prato próprio para' as três refeições diárias. Eles a, cozeram ao vapor,a défumaram,a curaram, a escaldaram e a aprimoraram, até que o prestígio culinário de suas cidades praticamente ficasse dependente dos seus enchidos. Temos a salsicha branca de Munique,a salsicha de Nuremberg, o salsichão de Lübeck, a salsicha vermelha  Thüring - o mapa da Alemanha, enfim,a ssinalado com salsichas.

A catedral do mundo da «Wurst". 

Ela é provavelmente a casa Alois Dallmayr, de Munique, que já foi fornecedora de 16 casas reais da Europa, e possui mais de 160 variedades, muitas delas feitas segundo receitas que contam já séculos.Estão ali presentes as três grandes categorias da arte salsicheira alemã: Brühwurst (para cozer), Rohwurst (para conservar) e Kochwurst (já cozinhada), Só as variedades recheadas de fígado já impressionam. Ofereceram-me a Landleberwurst grob (tosca, à modo do campo),a Ganseleberwurst (de fígado de ganso) e a Ganselandleberwurst , (com fígado de ganso, mas à moda do campo) ... e, quando me decidi por uma Bratwurst fresca, o empregado da charcutaria citou-me 10 variedades delas! «Os alemães possuem um paladar delicado no que respeita à salsicharia», explicou um dos diretores da Dallmayr.
« Deve-se tratar uma boa salsicha como se fosse um queijo delicado ou um vinho bordalês de boa safra.» Minhas nesquisas para encontrar o lugar de origem da verdadeira salsicha alemã levaram-me à mais internacionalmente conhecida de todas: a salsicha de Frankfurt. Seu lar não foi, como se poderia pensar, Frankfurt-am-Main, mas a pequena cidade dé Neu-Isenburg,um pouco mais ao sul. Aí,em 1860, um açougueiro de nome Georg Adam Müller produziu pela primeira vez esse enchido cor de ferrugem, com a grossura uniforme de um dedo, que viria a abalar o mundo. Para minha alegria, encontrei a fábrica ainda em funcionamento, embora no lugar de Müller estejam hoje dois irmãos, Harald e Otmar Grünewald.
Por entre o aroma da fumaça da madeira de bétula, passo vital na fabricação da verdadeira salsicha de Frankfurt, Harald,de 29 anos, revelou-me alguns dos segredos do famoso processo de Müller. «A salsicha de Frankfurt é a própria pureza. Setenta e cinco por cento de carne de porco magra de primeira, 25 % de gordura, sal, pimenta e noz-moscada ... e é tudo.» DeU então o sinal para a picadora de carne funcionar, e o processo,começa. Aí, surgiu a minha. primeira pergünta; que é,que o gelo (enfiado no funil da picadora, juntamente com à carne) tem a ver com a salsicha tipo Frankfurt? Resposta: o gelo evita que as lâminas, girando a alta velocidade, aqueçam os ingredientes, o que causaria a separação da gordura e da carne. A saída da picadora, a carne passa por canos da espessura de um lápis, das máquinas, e dali vai encher as tripas de carneiro com 30m de comprimento, as quais foram automaticamente torcidas a intervalos calculados, de modo a produzirem os tradicionais pares de salsichas de 18cm.

Defumação.

«Chegamos agora à fase mais delicada», explicou Grünewald. É aí que a salsicha ganha o seu sabor especial, o seu aroma irresistível e a sua bela cor rosada. O compartimento estava cheio de lascas de madeira-de-lei, rija, em brasa, cobertas de aparas de outras boas madeiras. Enquanto as grelhas carregadas com cerca de duas mil salsichas eram empurradas lá para dentro, Grünewald me explicou: « Pode levar hora e meia ou duas horas aí. Temos de saber pelo ouvido.» Precisamente uma hora e 48 minutos depois, estava eu espetando uma delas, ainda quente, metendo o dente na sua pele esticadinha e tenra, e fazendo jus à eternidade da fórmula de Müller. - Mesmo com as suas 1.500 variedades de salsichas, a Alemanha reconhece que não domina uma das grandes artes da charcutaria: a cura.
Para isso, temos de viajar para sul dos Alpes, até a Emilia-Romagna, região italiana de vasta criação de porcos que é o centro  desse príncipe da salsicharia' curada - o salame. «Salame de verdade só o feito com pá, de porco, sal e pimenta», diz Giovanni Tamburini, um dos fabricantes mais conhecidos de-Bolonha. «As diferenças que fazem o milagre vêm com a cura. É quando se transforma a água em vinho.» Na sua opinião, a salsicharia da Emilia-Romagna é a melhor, porque naquela zona o ar é seco, as brisas marítimas, suaves, e a carne de porco, a melhor da Itália.
A fim de desvendar alguns dos mistérios da sua arte viajei pelas colinas do vale do rio Pó até a a1deia lombarda de Varzi, onde se produz um dos salames mais renomados da Itália. Numa estalagem do século XVII, transformada com muito bom gosto em fábrica de salame, Franco Montagna, um homem gentil que, por amor à tradição, vendeu a sua empresa de comidas congeladas para passar a fazer salame, mostrou-me o antiqüíssimo processo de fabrico. «Para fazer um salame de, qualidade, é preciso a melhor carne de porco, magra, picada grosso; gordura do estômago e da goela do porco cortada em quadradinhos, sal, pimenta e, alho; e um pouco de vinho tinto bom.» Este último ingrediente é o barbera do próprio Montagna; um tinto do Piemonte; suave e encorpado, que saboreamos enquanto observávamos o nascimento do salame.  A equipe de artífices de Montagna começou por misturar e amassar suavemente os ingredientes antes de os meter numa máquina de encher, a vácuo. (Uma bolha de ar que fique na mistura é o suficiente pata estragar o salame.)  Quando a tripa de porco incha até o diâmetro de 8cm, é cortada e atada em pedaços de cerca de meio metro de comprimento e depois rapidamente do brada à mão numa rede. Em seguida, é perfurada com agulhas para permitir a saída da umidade - iniciando-se aí o processo da cura, o qual faz diminuir em 40% o peso original da carne. «A fase seguinte são as 60 horas cruciais da vida do salame», explica Montagna, enquanto caminhamos junto de um comboio de carrinhos que transportam os pálidos salames para a primeira câmara de cura. «Durante esse tempo, eles vão largar 15% da umidade; é um tratamento de choque. Agora, nos próximos dois meses e meio ou três, temos de ir apalpando, cheirando e vigiando. Se o enchido ficar duro demais, os poros fecham-se e a umidade é aprisionada no interior. Um salame sadio deve ter uma 'piumatura' fina (aquela leve penugem branca sobre a pele). A dos salames fabricados em série é muitas vezes imitada com pó-de-arroz branco...para parecer autêntica!»

Agora, se é sabor altamente especializado o que você procura,nada há que se compare à andouillette e à andouille - as extraordinárias salsichas frahcesas feitas de dobradinha.
Os franceses são muito hábeis na tarefa de transformar tão insípido material (tripas de porco ) num prato digno de reis. E não é que se exija muito esforço, não. Uma andouillette é simplesmente uma salsicha de l5cm de comprimento,cheia com dobradinha limpa e cozida, temperos (normalmente cebolas cozidas, sal,e pimenta) e pouco mais. Grelhada e servida quente, crepitando em sua pele estaladiça,é uma iguaria de enorme sapidez. A andouille é uma variação do mesmo tema,com a adição de um pouco de carne moída e uma defumaçãozinha para curá-la antes de ser cozinhada. _ Come-se fria, cortada em fatias.
Nos baluartes gastronômicos da Normandia e do vale do Loire,os apreciadores da andouillette não hesitam em percorrer 50km a fim de acharem uma das boas. A andouille tem até capital (a cidade de Jargeau, leste de Orléans), e, como Santo Antônio tomou sob a sua proteção todos os charcuteiros, no século XII, os amantes franceses de andouillette e de andouille reclamam-no como seu padroeiro. Fui testemunha da devoção que os franceses sentem por seus produtos salsicheiros preferidos, num banquete em novembro do ano passado, na cidade normanda de Alençon, quando Levier foi coroado. Quem atribuiu os prêmios para a me1hor andouillette e para o melhor boudin blanc da França e da, Europa foi o severo clube de gourmets Les Fins Goustiers du Duché d'Alençon. Mais de 220 vieram da França, da Bélgica, da Alemanha e da Holanda, e os prêmios foram festejados com uma refeição de oito pratos - iniciada,é evidente,com canapés de andouillette e andouille.
A história das salsichas e que tais, porém, não ficaria completa sem uma palavra sobre a curiosa espécie que é a salsicha britânica. Trata-se de um enchido cuja base é a carne de vaca ou de porco, amassada com cereais e temperada a gosto, a qual pode ser comida ao café da manhã, ao almoço ou ao jantar. O que é interessante é que, seja qual for a hora ou o lugar onde se coma, é sempre agradável.
O problema é que a salsicha britânica possui baixo teor de carne magra - a maior parte das vezes não mais de 35%, sendo o restante constituído por gordura ou cereais. Embora pareça estranho, os ingleses gostam dela assim mesmo. Levando- se em conta que a inventiva dos britânicos chegou a dar origem a opíparas variedades recheadas com ostras, cogumelos e frutas...
E daí? Confesso que,s e tivesse de resumir as minhas explorações no mundo salsicheiro, concordaria com aquele anônimo conhecedor, alemão que uma vez disse: « As nações ocultam verdadeiramente as suas personalidades nos seus produtos de charcutaria.» Não me surpreendo, portanto, por gostar de todãs.

Excerto do texto de Paul Martin, publicado na revista mensal "Seleções de Reader's Digest. edição de novembro de 1982.Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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